O caso Joshlin Smith: do desaparecimento à condenação na África do Sul


Joshlin Smith, de seis anos, viveu em extrema pobreza no assentamento informal de Middelpos, em Saldanha Bay (África do Sul) – uma comunidade marcada por contrastes sociais herdados do apartheid. Ela era filha do meio de três irmãos de Racquel “Kelly” Smith, de 35 anos. 

A família morava em uma única construção precária de chapas de metal, sem privacidade, onde Kelly sustentava os filhos fazendo “bicos” domésticos pagos em mantimentos em vez de dinheiro. Socorristas sociais revelaram que, quando Joshlin nasceu em 2018, sua avó materna a expulsou de casa devido ao vício de Kelly em drogas; Smith chegou a ameaçar outro filho com uma faca naquele período. Com dificuldades extremas, Kelly chegou a deixar Joshlin aos cuidados de uma amiga de família, Natasha Andrews, que inclusive pretendia adotá-la, dizendo que poderia “cuidar dela melhor do que a mãe”. Ainda assim, a menina era descrita como ”muito calada” e “muito arrumada” por sua professora, indicando que, apesar da vida difícil, Joshlin mantinha bom comportamento na escola local.

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Desaparecimento e cronologia dos acontecimentos

Joshlin Smith desapareceu em fevereiro de 2024 de sua casa em Saldanha Bay, a cerca de 135 km ao norte da Cidade do Cabo. Naquele dia, conforme depoimento de vizinha, Joshlin e seu irmão ficaram em casa porque não tinham uniformes limpos para ir à escola. Kelly Smith saiu e entrou na barraca várias vezes durante a tarde, deixando as crianças sob os cuidados de seu namorado, Jacquen “Boeta” Appollis, para ir fumar drogas. Cerca de uma semana após o desaparecimento, descobriu-se que a menina sumira durante aquela tarde; porém, só por volta das 21h os adultos chamaram a polícia para relatar o sumiço. Em outras palavras, Joshlin desapareceu ao fim de uma tarde comum e somente no anoitecer é que sua ausência foi notada oficialmente. Quase nada se sabia de concreto: a versão mais aceita veio de Laurentia Lombaard, vizinha que era a última a ver Joshlin, relatando que os adultos estavam distraídos naquela tarde. Até hoje, não se sabe exatamente como e quando a menina foi levada ou desapareceu, apenas que o caso começou a ser divulgado naquela mesma noite em Saldanha Bay.

Reação da comunidade e busca pela criança

O sumiço de Joshlin chocou a pequena Saldanha Bay e desencadeou uma ampla mobilização social. A polícia convocou a Marinha para vasculhar a costa e realizou buscas terrestres intensas; voluntários do bairro e de cidades vizinhas rastrearam campos, trilhas e até florestas próximas. Nas redes sociais, a imagem da menina — com tranças castanhas e olhos verdes — foi compartilhada incessantemente. Essa comoção atraiu atenção nacional: fotos de Joshlin “dominavam a internet” e o caso chegou às manchetes de jornais em todo o país. O impacto foi tanto que o político Gayton McKenzie, então ministro do Esporte e Cultura, ofereceu uma recompensa de 1 milhão de rands (cerca de US$ 54 mil) por informações que levassem à localização da garota.

A população local também se mobilizou de forma inédita. Grupos de pais organizavam acompanhamento conjunto das crianças até a escola e à saída das aulas, receosos de que outras crianças pudessem ser alvo de crime semelhante. Em passeatas e atos no tribunal da comarca, moradores exibiam faixas e cartazes pedindo “Justiça para Joshlin”. Foi comum ver pessoas vestindo camisetas com a foto da menina em protestos e audiências. Já os pais de alunos da escola local expressaram medo e solidariedade. Uma delas sintetizou o sentimento geral:
“É uma história muito triste. Todos os pais agora estão preocupados com o bem-estar de seus filhos e redobram os cuidados para garantir a sua segurança”, relatou Faeeza Ecksteen, mãe de um aluno da escola frequentada por Joshlin.
Ao mesmo tempo, crianças sofreram traumas visíveis. “Está traumatizando para as crianças na área, porque elas não querem mais brincar lá fora”, contou a ativista comunitária Carmelite Ross, que coordenou mutirões de busca nos dias seguintes. Em diálogo com a imprensa, Ross também ressaltou a solidariedade incomum entre grupos antes distantes:
“Nunca vi tamanha unidade nesta comunidade. Pessoas de qualquer raça ou cultura [se mobilizaram] procurando por Joshlin”, disse Ross, emocionada após participar das buscas iniciais.
A despeito desse apoio mútuo, também houve momentos de tensão. Logo após as prisões dos acusados, espalharam-se rumores raciais entre vizinhos de Middelpos, pois a curandeira Phumza Sigaqa (acusada sob suspeita infundada de ser sangoma) é negra enquanto Smith e os demais envolvidos são “coloridos”. A vereadora local Liwani Siyabulela explicou que, em certo momento, moradores chegaram a “rotular-nos como se fôssemos culpados, em dias em que as pessoas estavam desconfiadas de sangomas”. Ela pediu calma: “Não era sobre ser ‘colorido’ ou negro ou branco… Devemos nos concentrar em encontrar a criança desaparecida”, enfatizou. Sob pressão comunitária, Sigaqa teve as acusações arquivadas por falta de provas e deixou a região após receber ameaças.

“A polícia não respondeu às minhas alegações de tortura”, afirmou Phumza Sigaqa após ser libertada da prisão preventiva, desabafando as supostas agressões sofridas enquanto estava detida.
Apesar desse episódio controverso, a grande maioria dos moradores manteve o foco na busca. Milhares continuaram a ajudar voluntariamente, na esperança de reencontrar Joshlin com vida.

Investigação criminal

As investigações oficiais avançaram rapidamente. Cerca de duas semanas após o desaparecimento, Kelly Smith, o namorado dela Jacquen Appollis e o amigo do casal Steveno van Rhyn foram presos sob suspeita de envolvimento no sumiço de Joshlin. Eles prestaram depoimento no cartório de Vredenburg em 7 de março de 2024 — ainda sem provas concretas da localização da menina — acusados formalmente de sequestro e tráfico de pessoas. A casa onde a família vivia foi lacrada como parte da perícia. A polícia ainda manteve sob custódia a vizinha Laurentia Lombaard, que havia estado na casa dos acusados naquela tarde: segundo o Ministério Público, ela acabaria por confessar detalhes cruciais do que viu.

Dados preliminares indicavam que Smith e seus cúmplices tinham histórico de uso de drogas, algo observado em depoimentos de testemunhas. De todo modo, em nenhum momento surgiram pistas do paradeiro de Joshlin: as buscas oficiais continuaram infrutíferas. As autoridades abriram boletins em portais de desaparecimento e chegaram a anunciar publicamente que intensificariam as buscas até fora da África do Sul. Porém, nem testemunhos colhidos nas primeiras horas nem perícias posteriores apontaram uma localização certa da menina.

Enquanto isso, o inquérito seguia com foco nos três primeiros suspeitos. Smith, Appollis e Van Rhyn não fizeram qualquer confissão formal. De fato, nenhum dos três depôs em juízo, permanecendo em silêncio durante todo o processo. Phumza Sigaqa, cuja prisão inicial causou tensão racial, foi solta dias depois e já não respondia aos mesmos crimes. A fase inicial do caso terminou com as denúncias contra Smith e comparsas aceitas pela Justiça, dando origem ao julgamento programado para o ano seguinte.

Acusações, julgamento e processo judicial

No início de 2025, a promotoria detalhou formalmente as acusações contra o trio: além de sequestro, afirmava-se que eles haviam participado de um esquema de tráfico humano envolvendo Joshlin. De acordo com as testemunhas ouvidas, Kelly Smith teria vendido a filha para um curandeiro por cerca de 20.000 rands (aproximadamente US$ 1.100). O pastor local José Ferreira, que conhecia Kelly, chegou a relatar que ela lhe confidenciara em 2023 a intenção de negociar a menina por dinheiro. Em síntese, a acusação sugeria que Joshlin teria sido entregue a um “sangoma” interessado em supostos poderes dos olhos e da pele da criança.

O julgamento teve início em março de 2025, no Tribunal Superior do Cabo Ocidental, em Saldanha Bay. Num gesto incomum, as audiências foram realizadas em um grande centro comunitário de Middelpos, de modo a acomodar os moradores interessados no caso. O processo transcorreu por cerca de seis semanas, com ampla cobertura da mídia local e internacional. Durante as sessões, a promotoria apresentou testemunhos e documentos; a defesa permaneceu em silêncio, sem evidências que contestassem de fato as acusações.

Antes mesmo do veredito, Smith convivia com a certeza de que enfrentaria pena dura. À imprensa local, ela chegara a declarar que não perdera a esperança de encontrar a filha: “Meus instintos maternos me dizem que ela continua viva nesta área. Vou procurá-la casa por casa, mesmo que tenha de fazê-lo a pé”, afirmou em entrevista. Porém, no tribunal, manteve-se impassível durante todo o depoimento da acusação. Os outros réus também não falaram em sua defesa.

Depoimentos de réus, testemunhas e representantes legais

Embora os acusados nada revelassem, o júri ouviu depoimentos emocionados das testemunhas. Familiares e pessoas próximas deram versões dolorosas do ocorrido. A avó materna de Joshlin, Amanda Daniels, participou do julgamento comovida e enviou carta-testemunho por meio de um funcionário do tribunal. No texto, ela dirigiu-se diretamente a Kelly:
“Kelly, fizeste de nossas vidas um inferno na Terra. Sinto como se meu coração tivesse sido arrancado do meu corpo”, desabafou Amanda Daniels ao relatar o sofrimento familiar.

O depoimento de Natasha Andrews também causou comoção. Ela apresentou fotografias da menina sorrindo junto à sua própria filha, e lamentou que muitos brasileiros não conhecessem sequer o som da voz de Joshlin: “Nós contamos os fatos para que as pessoas a reconheçam. Há tanta gente… que nem sabe como a voz da Joshlin soa”, explicou. Por fim, Edna Maart, professora de Joshlin, descreveu a aluna como “muito quieta” e “muito arrumada” em sala de aula, ressaltando que todos sentiam falta de sua presença diária.

Ao longo do julgamento, o pastor José Ferreira confirmou que Smith discutiu vender a filha em 2023, buscando dinheiro para suas dependências. Outra testemunha afirmou ter ouvido a própria Kelly mencionar a negociação com o curandeiro interessado nos “olhos e na pele” da menina. Não houve contradições relevantes por parte dos acusados. Em seus argumentos finais, a promotoria pediu as penas máximas, enquanto a defesa limitou-se a enfatizar que nada provava o destino de Joshlin.

Repercussão emocional e social

A audiência de sentença foi marcada por cenas de forte comoção. Durante as sessões, um vídeo caseiro de Joshlin sorrindo foi exibido no tribunal e causou soluços entre os presentes. Tão forte foi a emoção que até a intérprete oficial não conteve as lágrimas ao traduzir os depoimentos das vítimas. Mães, vizinhos e amigos da família acompanharam os depoimentos sentindo agonia pelo destino da menina. Crianças da comunidade comentavam em silêncio o drama: uma menina de 11 anos revelou que chegou a ter medo de ir à escola nos dias seguintes ao desaparecimento de Joshlin.

Na esfera nacional, o caso virou símbolo da necessidade de proteger crianças vulneráveis. Organizações de defesa dos direitos infantojuvenis repercutiram o julgamento e prometeram vigilância para evitar que histórias similares se repitam. Muitos sul-africanos comentavam nas redes sobre as deficiências do sistema: enquanto uns enalteceram a prisão e julgamento céleres dos culpados, outros lembravam do sofrimento de Sigaqa e questionavam a maneira como a polícia conduziu as primeiras fases da investigação. A seguir ao veredicto, grupos civis organizaram debates sobre políticas de proteção à infância.
O caso também lançou luz sobre um problema maior: o aumento dos sequestros de crianças no país. Estatísticas policiais recentes mostram que ocorrências do tipo vinham crescendo — mais de 17.000 crianças foram raptadas na África do Sul entre abril de 2023 e março de 2024, um salto de 11% em um ano. Já o banco de dados Childline SA registrou 632 crianças desaparecidas em 2024 e 8.743 nos dez anos anteriores, indicativos de que muitos casos sequer chegam a ser investigados publicamente.

Conforme observou Jana van Aswegen, pesquisadora de direitos da criança, “é muito mais uma crise do que mostram as estatísticas policiais”. Em meio a essa realidade, as histórias sobre Joshlin mantiveram alta a expectativa de que seria encontrada, renovando esperanças mesmo após a condenação.

Justiça e policiamento: críticas e elogios

O desfecho do caso motivou avaliações mistas sobre as instituições. De um lado, a rapidez com que o inquérito levou à prisão dos principais suspeitos, logo duas semanas após o sumiço, foi vista como prova de efetividade da investigação local. O fato de o julgamento ter sido aberto à comunidade e de ter ocorrido em praça pública também foi elogiado como medida de transparência. Por outro lado, levantaram-se críticas pontuais à Polícia Sul-africana. O episódio da detenção e liberação de Phumza Sigaqa, relatando tortura policial sem resposta oficial, suscitou questionamentos sobre abusos de autoridades e combate a boatos iniciais. Outro foco de crítica foi a onda de desinformação: relatos falsos de corpos encontrados ou pistas inexistentes obrigaram a polícia a desmentir notícias, mostrando dificuldade de comunicação.

Autoridades locais, porém, buscaram contrabalançar críticas, enfatizando a união comunitária. Liwani Siyabulela comentou que a rápida normalização do convívio racial após os conflitos iniciais foi “um exemplo da força social do município”. Desde o início, houve um esforço explícito da prefeitura e da polícia em destacar o apoio às vítimas e a cooperação dos moradores nas buscas. O próprio fato de o julgamento ter mobilizado tantas pessoas foi interpretado positivamente por figuras como Van Aswegen, que ressaltou que “nunca [antes] viu um caso repercutir tanto” na África do Sul.

Em resumo, as instituições judiciais foram amplamente pressionadas, mas ainda assim cumpriram o protocolo legal rigorosamente, entregando um veredito severo. O processo serviu de alerta para ONGs e legisladores reforçarem projetos de prevenção ao tráfico de menores. Ao final, a opinião pública expressou alívio pela ação judicial: segundo relatos, muitos aplaudiram quando a sentença foi anunciada em juízo, acreditando que, finalmente, um nível justo de punição fora alcançado.

Tráfico infantil e protecção de menores na África do Sul

O caso de Joshlin Smith chamou atenção para a vulnerabilidade de crianças em situação de pobreza. Especialistas afirmam que a África do Sul enfrenta uma onda crescente de tráfico de menores, muitas vezes alimentada por superstições locais como o uso de partes de crianças por curandeiros. Segundo dados oficiais, centenas de crianças desaparecem sem explicação plausível a cada ano. Jana van Aswegen, diretora de uma entidade de proteção à infância, alertou que “muitos [casos] nem chegam a ser denunciados” e que o verdadeiro tamanho do problema é muito maior do que mostram as estatísticas.

Em 2024, o governo sul-africano intensificou debates sobre novas políticas públicas de proteção infantil. A própria leitura da sentença trouxe medidas complementares: o juiz Nathan Erasmus determinou a inclusão dos três condenados no Cadastro Nacional de Protecção à Criança e Adolescente, um registro especial que impede traficantes de exercer atividades com menores. Além disso, iniciativas comunitárias passaram a reforçar campanhas de conscientização em Middelpos e regiões vizinhas, vislumbrando fortalecer a fiscalização em escolas e unidades de saúde. No congresso nacional, parlamentares da oposição aproveitaram o caso para ressaltar a necessidade de leis mais rígidas e de aplicação efetiva de recursos em serviços sociais.

Sentença e consequências judiciais e sociais

Em 29 de Maio de 2025, mais de um ano após o desaparecimento, o Tribunal Superior do Cabo Ocidental em Saldanha Bay proferiu a sentença final. O juiz Nathan Erasmus condenou Racquel “Kelly” Smith, Jacquen Appollis e Steveno van Rhyn à prisão perpétua pela acusação de tráfico de pessoas, além de fixar dez anos adicionais de reclusão pelo sequestro de Joshlin. As penas serão cumpridas simultaneamente. “Não há nada que eu possa considerar redentor neste caso, nada que mereça pena menor do que a mais dura possível”, decretou Erasmus ao ler a decisão. Ele enfatizou que todos os três réus foram responsáveis e, por serem usuários de drogas, isso não justificava de forma alguma suas ações. Segundo ele, Smith foi quem liderou o esquema, “uma pessoa manipuladora que não mostrou nenhum indício de remorso” pelo sofrimento da filha.

A leitura da sentença emocionou a todos. O veredito foi recebido com aplausos no tribunal, enquanto a mãe de Joshlin chorava em silêncio e a avó usava uma camiseta estampada com o rosto da menina. Pouco depois da audiência, Kelly Smith foi encaminhada à prisão de segurança máxima de Pollsmoor, em Cape Town, onde cumprirá a pena perpétua. Appollis e Van Rhyn também foram transferidos a penitenciárias de segurança máxima. Os nomes de todos foram incluídos imediatamente no cadastro de proteção à infância, impedindo-os de ter qualquer contato com menores.

Do ponto de vista social, a sentença encerra judicialmente o caso, mas não resolve a angústia que permanece na comunidade. Joshlin continua oficialmente desaparecida, e as buscas prosseguem inclusive com colaboração internacional. A família — hoje amparada pelos avós de Joshlin — ainda vive sob trauma; como a avó Amanda Daniels confessou, ela agora vê a família “partida ao meio” e teme que os dois irmãos de Joshlin, que ficaram sob seus cuidados, também sejam vítimas de algum perigo semelhante. O caso reforçou nos sul-africanos a importância de se cuidar das crianças mais vulneráveis; por isso, organizações civis consideram a condenação um marco que, espera-se, iniba futuros abusos. O país permanece alerto, na esperança de que Joshlin seja encontrada algum dia e de que o sofrimento de sua família sirva, enfim, para melhorar a proteção às crianças.

A seguir, apresento uma lista das principais fontes utilizadas para compilar a matéria detalhada sobre o desaparecimento de Joshlin Smith e a subsequente condenação da sua mãe, Kelly Smith, e seus cúmplices. Cada fonte inclui o link correspondente para acesso direto: (BBC)
1. BBC News
Reportagem abrangente sobre o desaparecimento de Joshlin Smith, o julgamento de Kelly Smith e os desdobramentos do caso.
Link: (BBC)
2. News24
Cobertura detalhada do julgamento e da reação de Kelly Smith após a sentença.
Link: (news24.com)
3. The Guardian
Análise do caso, incluindo detalhes sobre a sentença e o impacto na comunidade local.
Link: (The Guardian)
4. Reuters
Informações sobre a sentença de Kelly Smith e seus cúmplices, com foco nos aspectos legais do caso.
Link: (Reuters)
5. Associated Press (AP News)
Relato sobre a condenação de Kelly Smith e a busca contínua por Joshlin Smith.
Link: (AP News)
6. CBS News
Cobertura do caso, destacando a sentença e o contexto do desaparecimento de Joshlin Smith.
Link: (CBS News)
7. ABC News
Notícia sobre a condenação de Kelly Smith e os esforços das autoridades na investigação do caso. Link: (ABC News)
8. People Magazine
Artigo detalhado sobre o caso, incluindo testemunhos e informações sobre a sentença. Link: (People.com)
9. The Sun
Reportagem sobre a condenação de Kelly Smith e os detalhes chocantes revelados durante o julgamento. Link: (The Sun)
10. New York Post
Notícia sobre a sentença de Kelly Smith e o impacto do caso na sociedade sul-africana. Link: (New York Post)

Estas fontes forneceram informações cruciais para a elaboração da matéria, incluindo detalhes do julgamento, testemunhos, reações da comunidade e desdobramentos legais.


Lições para Moçambique a partir do caso Joshlin Smith

A condenação severa da cidadã sul-africana Kelly Smith e dos seus cúmplices, por tráfico humano e presumível homicídio da sua filha de apenas seis anos, Joshlin Smith, constitui um marco jurídico e social que transcende as fronteiras da África do Sul. Este caso, além de expor o horror do tráfico humano e da negligência parental, lança uma luz forte sobre o que significa justiça exemplar em defesa da infância e da dignidade humana. E, neste espelho, Moçambique tem muito a rever e aprender.
A África do Sul demonstrou, neste caso, que a justiça pode ser célere, rigorosa e socialmente pedagógica. Kelly Smith foi condenada à prisão perpétua por crimes relacionados com tráfico humano e cumplicidade no desaparecimento da filha. Os juízes foram claros: um crime hediondo como este não merece complacência.
O processo teve três elementos-chave que explicam sua eficácia:
Investigação rápida e coordenada entre polícia, Ministério Público e serviços de protecção à criança;
Julgamento célere, com audições contínuas e penalizações exemplares;
Atenção mediática e indignação social, que obrigaram o sistema judicial a actuar com integridade e firmeza.
Este tipo de resposta mostra um Estado que assume a protecção dos seus cidadãos mais vulneráveis como uma prioridade — algo que falta em Moçambique em múltiplos aspectos, principalmente quando os casos envolvem crianças, adolescentes e mulheres vítimas de desaparecimento, abuso ou feminicídio.

Em Moçambique, apesar de o Código Penal (Lei n.º 35/2014, de 31 de Dezembro, com alterações da Lei n.º 24/2019) prever penalizações para crimes de tráfico de pessoas (artigos 198.º a 200.º), de sequestro (art. 191.º), bem como de homicídio (art. 157.º a 161.º), a prática mostra falhas gritantes na aplicação da lei.
Exemplos que ilustram estas fragilidades incluem:
Casos de mulheres assassinadas por companheiros íntimos cujas investigações nunca são concluídas ou são arquivadas por “falta de provas”;
Crianças desaparecidas em bairros periféricos (como Mahotas, T3, George Dimitrov) cujos processos nem chegam ao Ministério Público;
Famílias que vão às esquadras comunicar o desaparecimento de um ente querido e são, muitas vezes, recebidas com descrença, burocracia e indiferença;
Inúmeras denúncias de tráfico humano (especialmente de adolescentes para exploração sexual ou trabalho doméstico), ignoradas sob o argumento de “fuga voluntária”.
A letra da lei é clara. O artigo 198.º do Código Penal moçambicano estipula que quem, por qualquer meio, aliciar, recrutar, transportar, alojar ou receber pessoas com o objectivo de exploração sexual, trabalho forçado ou remoção de órgãos, é punido com pena de prisão de 16 a 20 anos. Contudo, a eficácia da justiça reside menos na existência de leis e mais na sua aplicabilidade prática.

Ao contrário do que se viu na África do Sul, muitos bairros em Moçambique são permeáveis ao crime por causa de uma cultura de indiferença social. A urbanização desordenada, aliada à desconfiança e ao individualismo, transformou vizinhos em estranhos que partilham ruas mas não se reconhecem.
Criminosos aproveitam-se disso para esconder vítimas de sequestros em zonas movimentadas ou densamente povoadas como Liberdade, Malhampsene, Benfica, Patrice Lumumba ou Maxaquene. Como ninguém conhece ninguém, ninguém estranha a presença de uma nova criança, de uma rapariga acorrentada ou de barulhos suspeitos.
O caso uma menor raptada e mantida durante três semanas num quintal vizinho sem que ninguém notasse é um retrato cruel dessa apatia colectiva. Quando a solidariedade comunitária desaparece, o crime instala-se.
A Justiça começa na vizinhança. O primeiro alerta para o desaparecimento de Joshlin Smith foi dado por um vizinho que estranhou o comportamento da mãe e procurou a polícia. Essa atitude foi essencial para despoletar a investigação.
Moçambique deve adoptar estratégias que transformem os bairros em redes de protecção comunitária, com:
Comités locais de vigilância e denúncia anónima;
Parcerias entre lideranças locais, polícia e escolas;
Educação cívica contínua para reforçar o papel do cidadão na denúncia de crimes;
Programas de denúncia via SMS ou WhatsApp com garantias de confidencialidade.

Se Moçambique quer proteger a sua juventude e combater o tráfico humano, precisa urgentemente de:
Investir na formação de agentes de investigação e na modernização da Polícia de Investigação Criminal (SERNIC);
Garantir que os processos de desaparecimento e violência de género sejam levados com a mesma prioridade que casos de corrupção ou ofensas a figuras públicas;
Aplicar penas severas e públicas que tenham efeito dissuasor;
Criar e manter bases de dados acessíveis sobre pessoas desaparecidas, com actualização em tempo real e envolvimento da mídia comunitária.

O caso de Joshlin Smith não é apenas uma tragédia. É também uma aula sobre como a justiça pode funcionar. Moçambique não pode continuar a ser um país onde o desaparecimento de uma criança é um episódio passageiro, abafado pela negligência institucional e pelo silêncio da comunidade.
Ao adoptar uma postura firme, ao tornar a justiça visível e próxima do povo, ao envolver cada cidadão na prevenção do crime, Moçambique poderá escrever uma nova história — uma história onde a infância é sagrada, as mulheres são protegidas e o crime não encontra refúgio nem nas casas, nem nas esquadras, nem nos corredores da impunidade.

Referência Legal Nacional:
Código Penal Moçambicano (Lei n.º 35/2014, de 31 de Dezembro, com alterações pela Lei n.º 24/2019)
o Art. 191.º — Sequestro
o Art. 198.º — Tráfico de Pessoas
o Art. 157.º — Homicídio Qualificado
o Art. 200.º — Tráfico de menores para fins de exploração sexual ou laboral
Se se deseja um Moçambique justo, é preciso mais que leis — é preciso vontade colectiva.

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