Moradores do bairro Eduardo Mondlane, no distrito de Marracuene, denunciam a existência de um areeiro ilegal que está a contribuir para a degradação do solo, colocando residências em risco de desabamento.
Tudo começa como um sussurro ao longo da Estrada Nacional Número Um. Sacos de areia amontoados à beira da estrada aguardam pacientemente por camiões que os transportarão para destinos longínquos. São discretos, mas denunciam o que ocorre no interior do bairro Eduardo Mondlane, em Marracuene.
Lá dentro, a paisagem transforma-se. A cada esquina, mais sacos empilhados, mais vestígios de solo sendo arrancado grão a grão. O caminho que seguimos é um atalho estreito e íngreme, como se a própria terra tentasse ocultar o que se passa nas suas entranhas.
Ao chegarmos, o cenário é bruto e cru. Uma cratera escancarada como uma ferida viva. Homens curvados, suados e silenciosos, escavam o chão como se buscassem algo além de areia. Ao notarem a nossa presença, alguns largam as ferramentas e desaparecem na mata como sombras assustadas, deixando para trás o vazio e o eco das enxadas.
Neste chão exposto de Marracuene, a terra já não guarda sementes — guarda feridas. O que aqui se vê não é apenas uma cova: é um abismo cavado à força, onde a areia é levada sem licença e o perigo é o que permanece.
A cada dia, o buraco cresce em silêncio, avançando em direcção às casas como quem desconhece limites. Trata-se de uma mina clandestina que progride sem lei, sem travões e sem compaixão.
Naquele buraco sem normas, sem fiscalização e sem qualquer tipo de protecção, encontram-se histórias soterradas. P. António, de 29 anos, com os olhos marcados pela escassez, partilha:
"A mina apareceu com uma única saída. Estou a trabalhar porque não tenho nada para fazer. Para ter emprego tenho que ter eu ter dinheiro. Quanto dinheiro não tenho. Estou a pisar de dinheiro. Já não tenho outro dinheiro para entregar para a pessoa para me contactar, está a ver, para me dar o serviço. E a medo de verdade tenho, mas não tenho como risco, não tenho como, é só rezar a Deus que trabalhar e sair para casa sem acontecer nada".
É ali que ele passa os seus dias, e foi também ali que conheceu Ifigénia, com quem hoje divide o trabalho e a vida. O amor deles nasceu entre a poeira e o cansaço — uma resistência silenciosa.
Luísa, outra mulher envolvida na actividade, descreve as fases da lavagem da areia, menciona os compradores que chegam discretamente de bairros de Maputo e de outras zonas, onde a areia se transforma em sustento. Relata ainda que o produto segue para Gaza, Eswatini (antiga Suazilândia) e África do Sul.
"Para lá começa já a passar para outros países. Outros clientes às vezes diz que quando chegam às vezes vão a um sítio de uma viagem reportam para mandar país de fora para ser pacotado lá mesmo".
Ela conhece bem o ciclo. Conhece o peso da carga. Conhece a invisibilidade de quem realiza tarefas essenciais sem jamais ser visto. Explica:
"Tira da cova, depois da cova se estende, seca, depois de secar se pila. Depois de pilar começamos a carregar assim. Estou a tirar lixo".
Ana Tércia também trabalha no local — e consome a areia. As câmaras não escondem o seu vício. Ela confessa:
"Meu coração gosta de comer areia. Eu sempre como. É, não estou a provar. Estou a comer areia".
Quando questionada sobre quando começou esse hábito, responde:
"Desde há muito tempo. Praticamente é um vício. Sim, já para mim é vício. Nem um copo eu acabo".
No cimo da ladeira, Albino Manhissa, chefe do quarteirão, observa a cratera com olhar pesado. Aponta para as margens que cedem, para as casas ameaçadas e para o vazio deixado por aqueles que ali perderam a vida, soterrados. Com pesar, declara:
"Não sinto, não sinto bem quando vejo essa cova porque aqui morre muita gente aqui e aqui morre, morreu muita gente e morre muita gente. Já eu quando vejo essa cova, ah, eu não fico satisfeito. É por isso eu estou sempre a falar com eles que e pá é melhor saírem dessa cova, procurar outro sítio para fazer esse trabalho, porque aqui é risco".
Ali, onde o Estado não chega, a sobrevivência é cavada com as mãos, e o silêncio cúmplice ecoa por todo o bairro.

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