Debate Acirrado entre Elísio de Sousa e Venâncio Mondlane Revela Tensões sobre o Verdadeiro Papel dos Deputados na Assembleia da República


Um debate intenso entre os deputados Elísio de Sousa e Venâncio Mondlane, revelou divergências profundas sobre a eficácia, transparência e real produtividade dos parlamentares moçambicanos. A troca de argumentos, promovido pelo Centro de Integridade Pública (CIP), que decorreu num painel, onde ambos abordaram o funcionamento da Assembleia da República e o papel dos deputados, entre críticas, ironias e chamadas de atenção.

Elísio de Sousa Reage à Composição do Painel e Defende o Papel dos Deputados

Na sua intervenção inicial, Elísio de Sousa, deputado pela bancada da FRELIMO, começou por questionar a representatividade no painel:

"Como é a minha segunda intervenção, então dispenso a apresentação. Parabenizar, portanto, o pódio e primeiro dizer que, na minha visão — estava aqui a ler — como não conseguia ler aí a missão do ‘CIP’, estava a ver aqui na internet, vi aqui à parte da visão: diz que nós devemos defender o sector privado no Estado de Direito democrático, inclusivo e funcional. Esta questão, por acaso, vi que aí já não estava inclusivo."

Elísio destacou ainda a ausência de membros da FRELIMO entre os oradores principais:

"Como deputado da bancada do partido FRELIMO, acho que faltava alguém nesse painel para representar. Porque temos dois deputados, antigos deputados, de bancadas da oposição. Então acho que poderíamos ser mais inclusivos. Aliás, como disse muito bem o painelista Venâncio, que alguns deputados apanham ‘Tchova’... acho que o Venâncio também é um deles, que apanhou dois carros, dois ‘Tchovas’. Mas o que quero dizer é o seguinte: é preciso liderarmos pelo exemplo. Se queremos transparência, se queremos inclusão... porque até por acaso troquei alguma impressão com o Presidente Cortez, que desmentia a questão de se ter convidado alguém do partido FRELIMO. Pelo menos tive informações que, parece-nos, ou o convite não chegou ou qualquer coisa... até se convidou a mim para estar no painel, só que já era tarde. Infelizmente. Mas isto para dizer que, de facto, alguma coisa não esteve bem. Mas ok."

Sobre o papel dos deputados e a percepção pública do seu trabalho, Elísio foi directo:

"Quero chamar atenção também para o papel do deputado. Penso que já os painelistas foram claros e sucintos, mas queria acrescentar que há muitos chavões que, quando eu estava fora da Assembleia, ouvia... mas hoje percebo que não é bem assim. Aquilo que disse — penso que foi o painelista Venâncio — sobre a ideia de que os deputados vão para dormir na Assembleia... Bom, estando lá, posso dizer que não é bem assim. Há muito trabalho, só que o trabalho não é muito visível. Muitas vezes é julgado nas plenárias, mas antes da plenária há vários trabalhos nas comissões. São trabalhos de fiscalização, trabalhos muito fortes."

Relativamente à iniciativa legislativa, defendeu a primazia do Governo:

"Outra questão que é preciso destacar é a das leis, que têm geralmente iniciativa do Governo. E o motivo é simples: quem está no terreno é o Governo, não é a Assembleia. Quem tem a política de governação, quem governa no dia-a-dia é o Governo. Então, o Governo é que identifica as lacunas, os nós de estrangulamento, e traz para a Assembleia legislar. E há um processo de filtragem até se chegar à própria lei."

Sobre o orçamento da Assembleia e a capacidade técnica:

"É verdade que pode não ser suficiente, mas provavelmente também as condições... como se falou, a questão da orçamentação também conta para a produtividade. É preciso mais orçamento para que a Assembleia esteja em todos os lugares e tenha equipas técnicas na preparação das leis. Uma lei tem que ser preparada. Como disse muito bem — penso que foi o panelista que chamou atenção — a lei é feita pelas pessoas, mas trabalhada tecnicamente por juristas, etc. Então, naquela parte técnica, é preciso que a Assembleia também tenha boa preparação. Mas nem sempre há condições."

Concluiu dizendo:

"Só para fechar: temos trabalho, e todas as intervenções foram úteis. Eu, como deputado nesta legislatura, vou levá-las como um TPC para melhorar o nosso trabalho. Muito obrigado."

Venâncio Mondlane Contesta e Pede Provas da Produtividade Parlamentar

Na sua réplica, Venâncio Mondlane recorreu à ironia para responder às declarações de Elísio sobre a "Tchova":

"Ainda sobre as questões colocadas aqui, a primeira do meu amigo, o professor Elísio... Tudo bem. Eu apanhei uma boleia sim. Apanhei uma boleia numa 'Tchova' do povo para estar na Assembleia da República. Agora o teu caso é que apanhaste essa boleia da... né?"

Sobre a afirmação de que a Assembleia trabalha “muito forte”, foi crítico:

"Deixando a questão das 'Tchovas', agora do ponto de vista académico, como supostamente tem-se apresentado sempre como académico... quando diz que a Assembleia da República tem produzido muito e trabalhado 'muito forte', é um pouco difícil manter a identidade académica nessas palavras. Porque 'trabalhar muito forte' são palavras demasiado abstractas. Depois a gente realmente fica na dúvida se a pessoa está a experimentar ou tem certeza do que diz."

Apontou caminhos objectivos de avaliação:

"O que posso aconselhar é fazer um estudo. No fim de cada sessão, pegar todas as intervenções, todas as resoluções, sistematizar. Isso permite perceber a produtividade. Tenho números sobre isso. Em vez de dizer que se trabalha muito forte, faz-se um estudo por sessão. E outra coisa: faz uma análise comparativa com parlamentos da região. Que tipo de produtividade têm? Quantas horas de trabalho por sessão?"

Questionou directamente o desempenho da Assembleia moçambicana:

"A Assembleia da República Moçambicana, na verdade, só trabalha 1/3 ao longo do ano. Não são mais de 100 dias. Claro, vão dizer que há trabalho de fiscalização. Mas esse trabalho nunca é discutido. Nunca se debateu um único relatório de fiscalização em plenário. Há trabalho de círculo, sim, mas nunca se avaliou o relatório do trabalho que o deputado faz no seu círculo eleitoral. Em 30 anos, nunca houve. Então, não há trabalho nenhum. Até que me tragam provas no fim da sessão e façam comparação com os parlamentos da região, não há absolutamente nada. Fica tudo numa evasiva, numa abstracção."

Mondlane prosseguiu com critérios concretos para avaliação do trabalho parlamentar:

"Eu avalio o deputado nos momentos críticos. Quando se faz uma resolução porque o Governo traz uma proposta de orçamento, e o debate é feito como num guiché... Na verdade, na Assembleia dos 250 deputados, os que trabalham não são mais do que cinco. O resto do trabalho é feito por técnicos, funcionários parlamentares e assessores. O doutor sabe disso."

Relembrou a sua actuação na Comissão Parlamentar de Inquérito às Dívidas Ocultas:

"Em 2016, fui o único deputado da oposição que participou na Comissão de Inquérito sobre as Dívidas Ocultas. No fim do trabalho, percebi que os membros da comissão não produziram nada. Nem leram. Nada fizeram. Deixaram os técnicos escreverem o relatório. Eu recusei-me a assiná-lo. Fiz o meu próprio relatório paralelo, chamei a imprensa, e esse relatório está disponível na internet."

E terminou com uma crítica aos deputados que agem como meros intermediários:

"A maior parte dos deputados funciona como pombo-correio. Aquilo que o mais velho Salomão Moyana dizia: se os tribunais só servem para levar processos ao Conselho Constitucional, então vale a pena reactivar os Correios. Na Assembleia é o mesmo — é trabalho rotineiro, de guiché. Sem impacto."

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