Oslo, Noruega – O político moçambicano e ex-candidato presidencial nas eleições de 2024, Venâncio Mondlane, proferiu um discurso contundente durante a conferência da Human Rights Foundation, considerando a ocasião um “momento histórico” para Moçambique. Na sua intervenção, Mondlane denunciou alegados actos de fraude eleitoral, repressão estatal e corrupção sistémica, apelando ao envolvimento da comunidade internacional na restauração da democracia e do Estado de Direito no país.
Da Família ao Activismo Político
Mondlane descreveu-se como oriundo de uma família de classe média composta por nove irmãos, sendo ele o filho do meio. Partilhou que, desde tenra idade, desenvolveu o impulso de proteger os mais vulneráveis: aprendeu artes marciais para defender as suas irmãs e outras crianças da vizinhança, chegando a criar uma escola e um ginásio comunitário no quintal dos seus pais.
Esse impulso de justiça conduziu-o à vida pública como comentador televisivo, onde se destacou por denunciar injustiças sociais e escândalos de corrupção. Em 2013, deu o seu primeiro passo formal na política activa ao candidatar-se às eleições autárquicas, sendo posteriormente eleito deputado da Assembleia da República.
"Usei o meu pódio parlamentar para fazer denúncias sobre injustiças, para fazer também denúncias de escândalo atrás de escândalo da acção governativa."
Mondlane destacou-se por ter integrado, enquanto voz da oposição, a Comissão Parlamentar de Inquérito ao escândalo das dívidas ocultas, que classificou como o maior da história do país:
"Fui a primeira e única voz da oposição a integrar a Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou o maior escândalo financeiro da história do meu país — mundialmente conhecido como o escândalo das dívidas ocultas."
A Candidatura Presidencial de 2024 e a Alegada Fraude Eleitoral
Recordando os acontecimentos de 2024, Mondlane descreveu o crescimento de um movimento popular por mudança e alternância democrática, ao qual se juntou como candidato presidencial:
"Candidatei-me à Presidência da República de Moçambique. Foi um salto gigantesco."
Alegando ter vencido as eleições com uma margem significativa, comparou a sua vitória à força de um "rolo compressor":
"Eu ganhei as eleições de forma convincente, de forma esmagadora, como um rolo compressor quando passa por uma estrada, não é?"
No entanto, acusou o regime de ter manipulado os resultados:
"O regime no poder há 50 anos fez exactamente aquilo que está habituado a fazer: roubar votos, manipular resultados, tentar trocar a verdade pela mentira, colocar a manipulação como verdade."
Criticou ainda o controlo absoluto que, segundo ele, o partido governamental exerce sobre as instituições do Estado:
"O regime domina tanto o sistema eleitoral como também domina o sistema de justiça, e tem um exército ao serviço de um partido — não ao serviço de uma nação."
Violência Pós-Eleitoral e Repressão Política
Após as eleições, Mondlane revelou que a sua equipa preparava uma contestação junto ao Conselho Constitucional quando foi alvo de um ataque fatal:
"O meu advogado pessoal, que era também o meu mandatário nacional, juntamente com o porta-voz do partido que sustentava a minha candidatura, foram emboscados no carro. Vinte e cinco balas caíram sobre eles. Morreram na hora."
Como resposta, convocou uma greve e manifestação nacional para o dia 21 de Outubro, que, segundo ele, marcou o início de uma fase particularmente violenta da repressão política:
"Foi o início de uma era altamente sangrenta no nosso país."
Relatou ter sobrevivido ao quarto atentado contra a sua vida, enquanto participava num protesto pacífico ao lado de jornalistas internacionais:
"Dispararam contra mim e contra os jornalistas internacionais. Tive que ir ao exílio por três meses."
Denunciou ainda os seguintes acontecimentos:
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"Cerca de 400 pessoas foram assassinadas por exigirem liberdade, verdade eleitoral e dignidade."
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"Cerca de 2.000 pessoas foram feridas — e até hoje, muitas delas têm balas alojadas no corpo, sem acesso a tratamento médico, por serem identificadas como manifestantes."
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"Cerca de 4.000 pessoas encontram-se detidas como prisioneiros políticos."
Também mencionou a detenção de Glória Nobre, sua mandatária financeira, mulher idosa e doente, como parte da repressão selectiva.
Corrupção, Recursos Naturais e o Estado como Organização Criminosa
Expressando desilusão com o partido no qual iniciou a sua carreira política, Mondlane fez duras acusações:
"A Frelimo, afinal de contas, dedicou-se mais a destruir do que a construir o país. Tornou-se uma verdadeira organização criminosa."
Acusou o partido de envolvimento em actividades ilícitas:
"Tráfico de armas, de drogas, de madeira, de pessoas, de prostituição infantil e até de órgãos humanos."
Sublinhou a contradição entre a riqueza natural de Moçambique e os níveis de pobreza extrema:
"Moçambique é uma das nações mais ricas do mundo em termos de recursos naturais. Só Cabo Delgado tem ouro, diamantes, grafite, gás, petróleo, e nove dos 15 metais raros do mundo. No entanto, é a província mais pobre do país."
Apelo Internacional e o Nascimento do Projecto “Anamalala”
No encerramento do seu discurso, Mondlane fez um apelo directo à comunidade internacional:
"Moçambique precisa da vossa ajuda. Precisamos de um país que respeite os direitos humanos, que tenha mais transparência na gestão dos recursos, que seja verdadeiramente democrático, que resgate os valores mais profundos da democracia."
Anunciou a criação de um novo projecto político denominado “Anamalala”, explicando que:
"‘Anamalala’, na nossa língua, significa ‘Basta, já chega!’"
Segundo o político, trata-se de uma plataforma que pretende resistir ao regime:
"É a única voz em Moçambique que ainda resiste a este regime opressor que já abocanhou tudo — a imprensa, o Estado, a justiça, e até os partidos da oposição."
Concluiu convidando os presentes a unir-se ao seu grito:
"Peço que todos se levantem e digam comigo: ‘Anamalala!’ — três vezes!"

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