Maputo, Moçambique — O político e ex-candidato presidencial Venâncio Mondlane, durante a sua intervenção num painel intitulado Simpósio Legislativo — integrado no Seminário Internacional de Recuperação de Activos, promovido pelo Centro de Integridade Pública (CIP) — apresentou uma análise crítica sobre a actual relação entre o poder executivo e o legislativo em Moçambique. Mondlane propôs reformas de fundo, com vista a restaurar o equilíbrio entre os poderes do Estado e evitar a supremacia do executivo sobre a Assembleia da República.
A sua intervenção concentrou-se em cinco pilares fundamentais, orientados ao reforço da autonomia e capacidade legislativa do Parlamento. No início da apresentação, o político afirmou:
"Este tema é muito aliciante, mas como temos aqui apenas 15 minutos, vou abordar isto em cinco pilares. Primeiro, a relação entre o executivo e o legislativo. Estamos à busca de um equilíbrio ou evitar com que haja uma supremacia do executivo sobre o legislativo."
Modelo de Eleição dos Deputados: Das Listas Plurinominais às Uninominais
Mondlane teceu críticas incisivas ao actual sistema eleitoral baseado em listas plurinominais, que considera gerar um vínculo de obediência partidária que compromete a imparcialidade dos deputados:
"Você faz parte de uma lista de um certo partido e as pessoas votam na lista sem saber que você está escondido por detrás daquela lista. É como se fosse uma espécie de boleia oculta, não é? [...] Logo, quem está ali sentado deve obediência a quem manda na lista. Então, exigir depois que o deputado seja imparcial, seja probo, tenha iniciativa, tenha produtividade... estes elementos ficam secundários, porque a primeira e a mais importante preocupação do deputado é agradar aquele que manda na lista. E, sobretudo, quando começa a pensar que pode renovar o seu mandato, então o que mais importa é a lista, é o partido, e não o deputado."
Como alternativa, defendeu a implementação de listas uninominais, que permitam ao eleitor escolher directamente o seu representante:
"Eu sou muito favorável a começarmos a pensar nas chamadas listas uninominais, quer dizer, como acontece no Brasil, nos Estados Unidos. O deputado apresenta-se, ele diz: ‘você vai eleger o Venâncio’. Vai votar no Venâncio, não na lista A, B, C do partido X, Y e Z. Temos que começar a pensar nisto."
Autonomia Financeira da Assembleia da República: Do Cosmético ao Real
Mondlane questionou a alegada autonomia financeira do Parlamento, que classificou como meramente simbólica:
"A autonomia financeira da Assembleia da República é cosmética, não é real."
De acordo com o político, o Parlamento depende do executivo até para decisões administrativas básicas:
"A Assembleia da República é um pedinte e que se humilha perante o executivo."
Propôs uma reforma que confira real independência financeira à AR:
"A Assembleia da República tem que aprovar o seu próprio orçamento, e o governo, se quiser colocar questões, tem que negociar com a Assembleia da República, não impor. E a execução tem que ser feita pela própria Assembleia da República. Não pode, para comprar uma cadeira, ter que ir pedir ao ministro das Finanças disponibilidade; para reparar um ar condicionado, tem que pedir ao ministro das Finanças. Isto não funciona."
Produtividade dos Deputados e Iniciativa Legislativa
Mondlane rejeitou a ideia de que os deputados são improdutivos, apontando antes para o monopólio da iniciativa legislativa por parte do executivo:
"97% da iniciativa legislativa não é da Assembleia da República, não é dos deputados."
Denunciou ainda a limitação legal que impede os deputados de proporem leis que impliquem aumento de despesa pública — prerrogativa exclusivamente do governo:
"Isto tem que ser alterado, isto tem que ser absolutamente revogado. Isto tanto... a função do deputado, se não for produzir leis, é para produzir exactamente o quê?"
O Papel da Sociedade e a Iniciativa Legislativa Cidadã
O político destacou que a actividade do Parlamento deve reflectir os interesses do povo, criticando a exclusão dos cidadãos do processo legislativo:
"A actividade da Assembleia da República, em nenhum momento, nós como povo ou como população podemos dizer que isto é um problema deles. Não é. Porque se é uma assembleia representativa nossa, significa que tudo o que eles fizerem, de determinada forma, nós estamos identificados, estamos linkados a isso. Aqueles que são bancários gostam de dizer: estamos indexados a isso."
Mondlane observou que, actualmente, um cidadão comum não pode apresentar uma proposta de lei sem o apoio de uma bancada ou da presidência do Parlamento, o que enfraquece a participação cívica e a democracia representativa.
Ação Concreta: Inquérito sobre o Fundo SUSTENTA
Como exemplo de intervenção concreta da sociedade no controlo da gestão pública, Mondlane revelou ter submetido à Presidente da Assembleia da República, Dra. Margarida da Magaia Lapa, um pedido formal para a criação de uma comissão parlamentar de inquérito ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável (Fundo SUSTENTA):
"Comissão parlamentar de inquérito para averiguar a probidade na gestão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável — ou, como muita gente conhece, SUSTENTA."
Complementarmente, submeteu documentação à Procuradoria-Geral da República:
"Fui submeter também à Procuradoria-Geral da República, também a dizer: se há indícios criminais ou de gestão danosa, levei todas as provas que eu pude recolher. Fui submeter hoje ao procurador a dizer: tem um problema de SUSTENTA que é tão discutido — aí estão aqui as provas e a fundamentação de que isto é um caso e que tem fortes indícios de ser um crime público. Então, o procurador tem trabalho, a Assembleia da República tem trabalho."

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